segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O sal que já valeu ouro

O sal de cozinha é hoje um dos alimentos mais baratos, não sendo nem aceito como parte de ingresso em eventos beneficentes. Mas não foi sempre assim. Na Idade Média, o sal valia mais do que ouro em alguns lugares. Parece estranho, mas devemos lembrar que o uso do sal era a única maneira de preservar alimentos. Na Europa, por exemplo, havia necessidade de conservar comida para os meses de inverno, em que o frio e a neve impossibilitavam o cultivo e até a caça. Para os locais mais distantes do mar, como obter sal?

Um exemplo interessante é a mina de sal de Wieliczka, na Polônia, considerada patrimônio cultural da Unesco. A explicação para haver uma mina de sal na Europa Central, tão longe do mar, é que há milhões de ano havia ali um mar. Com o movimento das placas tectônicas o mar desapareceu e todo o sal ficou sob o solo. A mina foi explorada desde o século XIII até 1996, quando já não compensava extrair sal. Hoje a mina é aberta à visitação, um verdadeiro museu subterrâneo com mais de 2000 cavernas e esculturas em sal.

Os mineiros de Wieliczka na Idade Média eram todos ricos, e os empregos – ou cargos – eram passados de pai para filho. Apesar dos grandes ganhos devido ao alto valor do sal, que valia tanto ou mais que ouro à época, o trabalho era extremamente perigoso. Não só devido à precária iluminação mas também por causa de deslizamentos. A água de infiltrações era um inimigo implacável. Em algumas épocas, a cada ano 10% dos trabalhadores morriam de acidentes na mina.

Hoje o sal vale muito menos do que na Idade Média. Mas continua essencial para a vida, sendo regulador de muitas funções. É por isso que sempre ouvimos falar das necessidades nutricionais de sais minerais. São muitas as ações de um sal no corpo humano. Em muitos casos, a ação depende do tipo de sal. Há o que se chama de seletividade, em que um sal de iodo pode ter ação diferente de um sal de sódio. Mas há algo em comum na atuação dos sais. Sendo solúvel em água, uma molécula de sal gera íons, ou seja, cargas positivas e negativas no meio aquoso – abundante no corpo humano, cujo constituinte principal é a água.

As forças entre cargas elétricas estão entre as mais importantes da Natureza. Cargas são denominadas positivas ou negativas, como as chamou Benjamin Franklin, o grande estadista e cientista americano que viveu no Século XVIII. Cargas de mesmo sinal – positivas ou negativas – se repelem, ao passo que cargas de sinal contrário se atraem. Ao fornecer cargas ao meio aquoso, o sal afeta diretamente outras moléculas no meio.

Tomemos como exemplo macromoléculas, como proteínas, que podem estar carregadas eletricamente. Se tiver uma grande quantidade de carga negativa (ou positiva), a molécula adotará uma conformação em linha, esticada, devido à repulsão entre as cargas. Na presença de sal, as cargas de sinal contrário advindas do sal “blindam” as cargas da molécula, diminuindo as forças de repulsão. A molécula se enovelará, então. Não é difícil imaginar o efeito de uma estrutura que passe de linear a um novelo. É este o princípio da coagulação.

Uma outra função mais espetacular dos sais está na transmissão de comandos do cérebro para os músculos e órgãos. Esses comandos são disparados por alterações bruscas na quantidade de cargas elétricas na membrana que circunda as células de nosso corpo. Tais mudanças estão relacionadas ao movimento de íons de sódio e potássio – oriundos de sais e que têm tamanhos diferentes - atravessando a membrana da célula.

Mencionei essas funções dos sais para ilustrar por que cientistas de áreas básicas, como físicos, químicos e matemáticos, se interessam cada vez mais por biologia. É que qualquer material – inclusive os que compõem nosso corpo – obedece às mesmas leis de interação entre átomos e moléculas. Estudar tais interações é uma das tarefas da chamada nanociência, que tem assim caráter integrador.

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