segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A Lei de Murphy

A chamada Lei de Murphy já entrou no cotidiano de muitos de nós de forma anedótica, quase sempre para dizer que numa briga entre sorte e azar, este último vence. Há inúmeras formulações para a Lei de Murphy. Dias desses meu filho achou na Internet um texto que continha 100 maneiras de formular a Lei de Murphy, algumas muito pitorescas. Por exemplo: “Se você perceber que uma coisa pode dar errado de 4 maneiras e conseguir driblá-las, uma quinta surgirá do nada”. Ou ”A probabilidade de o pão cair com o lado da manteiga virado para baixo é proporcional ao valor do carpete.”
Talvez essas formulações advenham de incidentes de pessoas que acreditam não ter sorte. Obviamente que não há problema algum em imaginar leis que possam reger nosso futuro. Isso, entretanto, esconde um fato comum na vida das pessoas: o de tirar conclusões a partir de dados sem valor estatístico. Se vestirmos uma certa roupa por 2 ou 3 vezes e o nosso time ganhar, podemos achar que é a roupa que dá sorte e influencia o resultado. Se tivermos um pressentimento de que algo ruim acontecerá, e de fato coisas desagradáveis nos aconteçam, podemos pensar que tivemos uma premonição.

A comprovação de que eventos de natureza completamente distinta estejam correlacionados exige método científico rigoroso. Para se ter certeza de que uma pessoa tenha de fato premonição (admitindo que isso possa ser possível), é necessário contar os eventos em que a pessoa teve um pressentimento e se este foi confirmado ou não. Após digamos centenas desses eventos, se o número de pressentimentos confirmados for significativamente maior do que os não confirmados, então podemos começar a acreditar em premonição. É claro que um controle de informações desse tipo é muito difícil, o que ilustra quão duro é comprovar qualquer poder especial.

Quando experiências rigorosas são realizadas para comprovar (ou refutar) regras empíricas, como algumas formulações da Lei de Murphy, o resultado é desalentador para aqueles que gostam de crendices. Por exemplo, se experiências com o pão com manteiga forem realizadas um número suficientemente grande de vezes, de modo a ter valor estatístico, é certo que não haverá nenhum efeito do “preço do carpete”. O número de vezes em que a face com manteiga cai virada para baixo será rigorosamente igual (estatisticamente!) ao de vezes em que não cai.

Meu caso favorito de comparações sem valor estatístico é o da famosa afirmação: “No meu tempo a música era muito melhor do que agora”. Esta afirmação saudosista acaba por ser verdadeira sempre, não porque a qualidade da música de um certo período seja melhor do que em outro. Até pode ser, mas não é isso que faz com que a sentença acima sempre seja verdadeira. É porque comparamos amostras estatísticas completamente distintas. Vejamos: na amostra “Música do meu tempo”, vêm à memória as músicas da minha infância, adolescência, juventude. Eu contaria as boas músicas dos anos 70 e 80, além daquelas de que gostava e que não eram bem da minha época. Sempre adorei as marchinhas de carnaval, e talvez as incluíssem nas músicas do “meu tempo” – mas a maioria esmagadora delas foi criada muito antes de eu nascer. Já nas músicas atuais, eu me lembraria daquelas que estão nas paradas, correspondendo a uma amostra de músicas de 1 ou 2 anos. É lógico que qualquer um contará muito mais músicas “boas”, seja qual for o critério usado para rotulá-las de boas, em 20 ou 30 anos (no meu tempo!), do que em 1 ou 2 anos (o tempo presente).

Resolvi mencionar hoje essa maneira não científica de analisar dados ou emitir opiniões por um motivo sério. Se por um lado não há problema em tirar conclusões a partir de observações não rigorosas de dados – como acreditar que a Lei de Murphy possa ser válida – o mesmo não se aplica à situação em que uma comunidade precisa se posicionar diante de assuntos polêmicos. Este é o caso da liberação de alimentos transgênicos ou de pesquisas com células-tronco. A sociedade – não acostumada a debates sobre assuntos de conteúdo científico - tem dificuldade em discernir a partir do noticiário e das propagandas dos diferentes grupos de pressão. Decidir sem respaldo científico nesses casos pode trazer grande prejuízo à Nação.

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