segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O pão nosso de cada dia

Já mencionei neste espaço que a nanotecnologia pode ser muito útil para setores que menos esperamos. Como o de alimentos. Afinal, não comemos “nano coisas” e “nano alimentos” provavelmente não saciariam nossa fome ou sede. Mas alimentos podem ter suas características modificadas por processos na escala nanométrica.

Alimentos líquidos, por exemplo, são quase sempre sistemas coloidais, em que os colóides têm dimensões de dezenas de nanômetros (um nanômetro é milionésima parte de um milímetro). Aqui precisamos recorrer a um dicionário. Coloidal é – grosso modo – um sistema com partículas sólidas dispersas num líquido ou de gotículas em um outro líquido. Por isso, nanotecnologia tem tudo a ver com possíveis melhorias na indústria alimentícia.

Desenvolver alimentos com maior eficiência e de melhor qualidade é uma necessidade de um país exportador, como o Brasil. Obviamente somado ao importante abastecimento de nosso grande mercado interno. Muitas são as possibilidades de aplicar nanotecnologias.

Vou tomar aqui especificamente o caso do leite. Há várias razões para fazê-lo: a primeira delas é sentimental, pois venho de uma família que trabalha com leite há décadas. Meu pai era técnico em laticínios: sabia fazer queijo, manteiga, e apenas para agradar a família e amigos fazia o inesquecível leite maltado. Eu próprio fui leiteiro por muitos anos, e talvez permaneça sempre na alma.

A outra razão é que o leite é uma dispersão coloidal incrivelmente estável. Normalmente uma dispersão perde a estabilidade – com as partículas agregando-se e precipitando – quando adicionamos sal. Vocês podem tentar em casa adicionar sal no leite e perceberão que ele não ficará coalhado. O mesmo vale para variações de temperatura, pois o leite pode ser aquecido e resfriado, sem formação de grandes aglomerados de partículas.

A indústria moderna de laticínios já introduziu muitas inovações. Além de agora ser possível armazenar leite por longos períodos, impensável há algumas décadas, hoje são comercializados leites com suplementos alimentares, etc. Eu diria, entretanto, que isso é só o começo. Por se tratar de dispersão coloidal, é possível empregar metodologias e conhecimentos da nanotecnologia, para um controle cada vez mais apurado das propriedades do leite. Por exemplo, pode-se adicionar nutrientes – ou mesmo remédios – para consumidores com necessidades específicas.

Há uma série de outras possíveis aplicações para a nanotecnologia. Como o recobrimento de frutas para retardar o amadurecimento e aumentar tempo de prateleira – essencial para a exportação. Tal recobrimento precisa ser feito com material biocompatível, normalmente em películas muito finas – idealmente nanoestruturadas – que não alterem a cor e sabor das frutas.

Outra área que pode se beneficiar da nanotecnologia é o controle de qualidade. Como para garantir que um alimento satisfaça os requisitos da vigilância sanitária. De novo, este é um ponto crucial para a exportação, como demonstrado recentemente nos prejuízos com os focos de febre aftosa que levaram muitos países a suspenderem a importação de carne do Brasil.

Controlar a qualidade requer métodos de análise para detectar impurezas, contaminações, entre outras características. Para tanto, sensores dos mais variados tipos, obtidos de processos nanotecnológicos, podem ser usados. Como uma língua eletrônica, capaz de distinguir sabores muito parecidos e detectar pequenas contaminações em um alimento líquido.

O Brasil já é um gigante do agronegócio. Precisamos agora investir em nanotecnologia para ampliar nossa capacidade de produção de alimentos com maior valor agregado. E assim garantir o pão nosso de cada dia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário