terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A comunicação com a sociedade

Cientistas e pessoas públicas têm o dever de prestar contas à sociedade que financia suas atividades, num processo de comunicação que também deve ter caráter instrutivo. Pois é essencial que a sociedade esteja bem informada para tomar decisões sensatas acerca de questões polêmicas sobre desenvolvimento e tecnologia.

Um exemplo recente de comoção nacional que pode levar a más decisões foi o ataque a um instituto de pesquisa que usava cães em seus experimentos. A partir de imagens chocantes de animais amedrontados, surgiu toda sorte de apelos para proibição de experiências científicas envolvendo animais. É lógico que tais experiências precisam ser acompanhadas rigorosamente, com regras éticas claras e restritivas. Entretanto, uma análise ainda que superficial sobre o desenvolvimento de novos fármacos e de métodos que fizeram a medicina avançar enormemente nos últimos anos indica claramente que testes com animais são imprescindíveis. O argumento de que se quisessem os cientistas poderiam substituir tais testes não se sustenta.

As duas alternativas aos testes com animais teriam conseqüências catastróficas. A primeira seria simplesmente não desenvolver novos fármacos, que sempre requerem testes antes de sua comercialização. Epidemias e pandemias poderiam se proliferar com uma mortalidade sem precedentes. Em tempos de globalização, com pessoas se locomovendo de um continente a outro com grande frequência, novas doenças para as quais ainda não haja remédios eficazes seriam espalhadas. De particular interesse nesse aspecto seriam as doenças causadas por bactérias que se tornam resistentes a antibióticos. Sem a criação de novos fármacos, em poucos anos tais bactérias poderiam dominar nosso mundo. Pareceria com aqueles casos de filmes de ficção, em que a Terra é dominada por algum tipo de ser – terrestre ou extra-terrestre.

A outra alternativa, de conseqüências não menos catastróficas, seria testar novos fármacos diretamente em humanos. Além do óbvio problema de que qualquer efeito colateral não previsto pode trazer danos irreversíveis à saúde das cobaias humanas, tais testes não seriam eficazes pela falta de rigor científico. Isso porque nos testes de fármacos, os animais utilizados são concebidos e criados com alto grau de controle, para que se possa efetivamente identificar os efeitos dos novos remédios. Não são animais reunidos aleatoriamente para os testes. Esse controle seria impossível fazer com humanos!

A necessidade de múltiplos testes para a eficácia e segurança de medicamentos e procedimentos clínicos em geral é justificada pela complexidade do problema científico-tecnológico. Colocar um novo fármaco no mercado pode custar hoje mais de 1 bilhão de reais, e demorar mais de uma década, devido à longa cadeia de pesquisas e testes.

O desenvolvimento de um novo fármaco passa por pelo menos 5 etapas: Na primeira, as moléculas candidatas a fármaco – que poderão se tornar o princípio ativo de um novo remédio - têm suas propriedades estudadas em simulações computacionais. Normalmente são testadas dezenas ou até milhares de moléculas de uma família que se prevê ter um efeito medicinal. Tais moléculas podem nem existir, ou seja, nem terem sido sintetizadas (produzidas em laboratório), uma vez que as simulações são feitas com base na sua estrutura química. Dentre as mais promissoras, algumas são selecionadas para serem sintetizadas e estudadas em laboratório para verificar sua atuação enquanto princípio ativo.

Os testes de princípio ativo merecem descrição mais detalhada. Antes de verificar ação em animais ou humanos, há que observar se os candidatos a fármacos interagem com componentes celulares como preconizado na concepção do remédio. Por exemplo, um remédio para combater bactérias pode fazê-lo destruindo a membrana dessas bactérias, e portanto são realizados experimentos – em nível molecular – para verificar tal efeito. Esta pode ser considerada a segunda etapa do desenvolvimento de um fármaco. Na terceira etapa, são feitos os chamados testes in vitro, em que se confirma que os candidatos a fármaco de fato matam as bactérias em culturas sobre placas de vidro.

Os testes in vivo correspondem à quarta e quinta etapas, em animais e humanos, respectivamente. Estas etapas são, obviamente, as mais demoradas e caras. Dependendo do tipo de remédio que está sendo criado, diferentes modelos animais precisam ser usados, normalmente iniciando-se com camundongos e podendo incluir primatas, cujas características fisiológicas são mais próximas das dos humanos. Para antibióticos tomados como exemplos, deve-se garantir que sejam nocivos às bactérias mas não às células do corpo humano. Infelizmente o comportamento de um remédio nos testes in vitro pode não ser o mesmo do que nos animais e nos humanos, de maneira que não há como prescindir dos testes in vivo.


O leitor deve ter notado a complexidade do desenvolvimento de um novo remédio, mesmo com uma descrição tão simplificada como a apresentada acima. Quando a sociedade precisar tomar decisões difíceis, como as relacionadas a testes com animais e humanos, é crucial estar bem informada. 

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