Cientistas
e pessoas públicas têm o dever de prestar contas à sociedade que financia suas
atividades, num processo de comunicação que também deve ter caráter instrutivo.
Pois é essencial que a sociedade esteja bem informada para tomar decisões sensatas
acerca de questões polêmicas sobre desenvolvimento e tecnologia.
Um
exemplo recente de comoção nacional que pode levar a más decisões foi o ataque
a um instituto de pesquisa que usava cães em seus experimentos. A partir de
imagens chocantes de animais amedrontados, surgiu toda sorte de apelos para
proibição de experiências científicas envolvendo animais. É lógico que tais
experiências precisam ser acompanhadas rigorosamente, com regras
éticas claras e restritivas. Entretanto, uma análise ainda que superficial
sobre o desenvolvimento de novos fármacos e de métodos que fizeram a medicina
avançar enormemente nos últimos anos indica claramente que testes com animais
são imprescindíveis. O argumento de que se quisessem os cientistas poderiam
substituir tais testes não se sustenta.
As
duas alternativas aos testes com animais teriam conseqüências catastróficas. A
primeira seria simplesmente não desenvolver novos fármacos, que sempre requerem
testes antes de sua comercialização. Epidemias e pandemias poderiam se
proliferar com uma mortalidade sem precedentes. Em tempos de globalização, com
pessoas se locomovendo de um continente a outro com grande frequência, novas
doenças para as quais ainda não haja remédios eficazes seriam espalhadas. De
particular interesse nesse aspecto seriam as doenças causadas por bactérias que
se tornam resistentes a antibióticos. Sem a criação de novos fármacos, em
poucos anos tais bactérias poderiam dominar nosso mundo. Pareceria com aqueles
casos de filmes de ficção, em que a Terra é dominada por algum tipo de ser –
terrestre ou extra-terrestre.
A
outra alternativa, de conseqüências não menos catastróficas, seria testar novos
fármacos diretamente em humanos. Além do óbvio problema de que qualquer efeito
colateral não previsto pode trazer danos irreversíveis à saúde das cobaias
humanas, tais testes não seriam eficazes pela falta de rigor científico. Isso porque nos testes de fármacos, os animais utilizados são concebidos e criados com
alto grau de controle, para que se possa efetivamente identificar os efeitos
dos novos remédios. Não são animais reunidos aleatoriamente para os testes. Esse
controle seria impossível fazer com humanos!
A
necessidade de múltiplos testes para a eficácia e segurança de medicamentos e
procedimentos clínicos em geral é justificada pela complexidade do problema
científico-tecnológico. Colocar um novo fármaco no mercado pode custar hoje
mais de 1 bilhão de reais, e demorar mais de uma década, devido à longa cadeia
de pesquisas e testes.
O
desenvolvimento de um novo fármaco passa por pelo menos 5 etapas: Na primeira,
as moléculas candidatas a fármaco – que poderão se tornar o princípio ativo de
um novo remédio - têm suas propriedades estudadas em simulações computacionais.
Normalmente são testadas dezenas ou até milhares de moléculas de uma família
que se prevê ter um efeito medicinal. Tais moléculas podem nem existir,
ou seja, nem terem sido sintetizadas (produzidas em laboratório), uma vez que
as simulações são feitas com base na sua estrutura química. Dentre as mais
promissoras, algumas são selecionadas para serem sintetizadas e estudadas em
laboratório para verificar sua atuação enquanto princípio ativo.
Os
testes de princípio ativo merecem descrição mais detalhada. Antes de verificar
ação em animais ou humanos, há que observar se os candidatos a fármacos
interagem com componentes celulares como preconizado na concepção do remédio.
Por exemplo, um remédio para combater bactérias pode fazê-lo destruindo a
membrana dessas bactérias, e portanto são realizados experimentos – em nível
molecular – para verificar tal efeito. Esta pode ser considerada a segunda
etapa do desenvolvimento de um fármaco. Na terceira etapa, são feitos os
chamados testes in vitro, em que se confirma
que os candidatos a fármaco de fato matam as bactérias em culturas sobre placas
de vidro.
Os
testes in vivo correspondem à quarta
e quinta etapas, em animais e humanos, respectivamente. Estas etapas são,
obviamente, as mais demoradas e caras. Dependendo do tipo de remédio que está
sendo criado, diferentes modelos animais precisam ser usados, normalmente
iniciando-se com camundongos e podendo incluir primatas, cujas características
fisiológicas são mais próximas das dos humanos. Para antibióticos tomados como
exemplos, deve-se garantir que sejam nocivos às bactérias mas não às células do
corpo humano. Infelizmente o comportamento de um remédio nos testes in vitro pode não ser o mesmo do que nos
animais e nos humanos, de maneira que não há como prescindir dos testes in vivo.
O
leitor deve ter notado a complexidade do desenvolvimento de um novo remédio,
mesmo com uma descrição tão simplificada como a apresentada acima. Quando a
sociedade precisar tomar decisões difíceis, como as relacionadas a testes com
animais e humanos, é crucial estar bem informada.
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