terça-feira, 31 de dezembro de 2013

O GPS é a Teoria da Relatividade no nosso dia a dia

O fascínio pela descoberta de novos fenômenos ou por compreender como as coisas funcionam é suficiente para motivar cientistas por uma vida inteira. No início do Século XX, Albert Einstein se debruçou sobre um problema aparentemente sem grande conexão com o mundo que o cercava. Ele não se conformava que a física necessária para explicar certos fenômenos tivesse que ser alterada quando se mudava o referencial das medidas. Para ele, as leis da física deveriam ser invariantes, independentemente de as medidas serem feitas na Terra – um referencial que podemos considerar fixo – ou num barco em movimento.

Para resolver o problema, em 1905 Einstein apresentou uma teoria muito abstrata, que recebeu o nome de Teoria da Relatividade Restrita. Uma conseqüência dessa teoria é que o conceito de tempo já não era absoluto. Ou seja, o relógio de um observador fixo na Terra não marcaria o mesmo tempo que um relógio usado por um observador em movimento. E mais, as réguas para medir distâncias também seriam diferentes para observadores com velocidades diferentes. O nome de Relatividade Restrita foi dado porque a teoria só se aplicava a referenciais que tivessem velocidades constantes, sem aceleração.

Em 1915, Einstein estendeu a teoria para referenciais acelerados, também chamados não inerciais. Criou a Teoria da Relatividade Geral, que também trouxe uma conseqüência inusitada: que as ondas eletromagnéticas – como os feixes de luz visível, as ondas de rádio ou a radiação de microondas – teriam sua trajetória desviada quando passassem próximo de um corpo com massa. Esta previsão da Teoria da Relatividade Geral foi comprovada anos mais tarde em Sobral, no Ceará.

Para operar aparelhos cada vez mais sofisticados, muitas vezes precisamos da ajuda de crianças e adolescentes. Só eles conseguem decifrar o mundo de tantos botões e ícones numa tela pequena de um telefone celular, um tocador de música ou um aparelho de GPS. Creio que poucos pudessem imaginar que um GPS é uma aplicação direta da Teoria da Relatividade.

O sistema de posicionamento global, conhecido por nós como GPS que é a sigla para o nome em inglês “global positioning system”, funciona como se tivéssemos amigos no espaço com um mapa da Terra, em permanente contacto conosco. Emitimos um sinal, que viaja com a velocidade da luz, a um desses amigos e ele pode saber nossa posição na Terra a partir do tempo que a mensagem levou até ele. Como para um mesmo tempo de viagem do sinal, podemos ter mais de uma posição na Terra, necessitamos de mais de um amigo – em lugar diferente no espaço - para determinar nossa posição.

Esses amigos são os satélites, que requerem relógios extremamente precisos. Acontece que os tempos de viagem dos sinais emitidos são muito curtos, porque a velocidade da luz é muito grande (mais de um bilhão de km/h). Por isso são empregados relógios atômicos. O problema é que também temos que medir o tempo que leva para recebermos a resposta do sinal do satélite. Para ter precisão na determinação na posição, também seria necessário ter um relógio atômico no aparelho de GPS, o que é impraticável. A precisão atual é conseguida compensando-se as limitações do relógio do aparelho com o uso do sinal de muitos satélites. São hoje empregados 24 satélites, que também permitem que o sistema GPS funcione em qualquer lugar da Terra.

Mas então, onde entra a Teoria da Relatividade? Ora, para determinar a posição com precisão de alguns metros em alguns segundos, os relógios nos satélites têm que ter precisão de 20 a 30 nanossegundos (ns) (1 ns é a bilionésima parte de um segundo). Segundo a Teoria da Relatividade Restrita, um relógio no satélite que tem uma velocidade de 14.000 km/h em relação à Terra atrasará cerca de 7 microssegundos (μs) (1 μs é a milionésima parte de um segundo) por dia. Além disso, como os satélites estão numa órbita a 20.000 km de altitude, o campo gravitacional é mais fraco do que na Terra. Nessa altitude, o desvio das ondas eletromagnéticas é menor, e a Teoria da Relatividade Geral prevê que um relógio no satélite adiantará de 45 μs por dia.

Estamos acostumados a não nos preocupar com as correções relativísticas, que são quase sempre muito pequenas. De fato, só perceberíamos diferenças no tamanho de uma régua em movimento, se esta estivesse a uma velocidade próxima à velocidade da luz, o que é inimaginável. Entretanto, para o sistema de GPS, as correlações relativísticas são muito importantes, principalmente aquela da Relatividade Geral, pois um erro de 45 μs corresponde a 45.000 ns. Só para exemplificar, sem as correções relativísticas um GPS acumularia erro de posicionamento de alguns quilômetros em um único dia.  



Concluímos que não há mínima chance de desenvolver um sistema de GPS sem conhecimento da teoria da relatividade. Afinal, ninguém quer estacionar seu carro no trabalho pela manhã e ao final do dia receber a informação (errônea!) do GPS que o carro já está em casa, a quilômetros de distância. Seria confuso, não? 

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