Não há dúvidas de que um dos
problemas cruciais a ser enfrentado pelo Brasil nas próximas gerações é o da
Educação, e isso parece ser consenso há algum tempo. A dificuldade é
estabelecer políticas viáveis para atacar o problema de maneira eficaz. Há
inúmeras carências, tanto de infra-estrutura como a de permitir que alunos de
estratos menos favorecidos tenham condições de aproveitar os ensinamentos que
recebem. Mas talvez o problema maior seja o relacionado aos professores, que
recebem em média salários baixos, com conseqüências funestas. Por um lado, não
há incentivo para que jovens talentosos se tornem professores, diminuindo a
concorrência pela carreira e dificultando o recrutamento de equipes de alto
nível. Por outro, aqueles já engajados na profissão de professor precisam se
submeter a jornadas de trabalho extenuantes, sem tempo para se aprimorar ou
dedicar-se integralmente a uma escola.
Ao longo dos anos, várias
iniciativas foram e vêm sendo tomadas para amenizar os problemas na Educação,
além da necessária universalização do ensino para crianças de todos os níveis
sociais, que só recentemente foi atingida. Considerando-se a questão salarial
dos professores como central, a mais importante das iniciativas foi o
estabelecimento de um piso para o salário dos professores, pelo governo
federal. Essa medida deve trazer grandes benefícios nos próximos anos, mas será
infelizmente limitada por dois fatores: i) possibilidade de desobediência por
parte de estados e municípios, que alegam não ter recursos para pagar o piso
salarial a todos os professores; ii) em alguns estados da federação o piso já
está abaixo do salário praticado, e sua aplicação não tem efeito devido ao alto
custo de vida.
A única solução que antevejo é a
de se criar um fundo nacional para poder bancar os salários (ou parte deles)
dos professores do ensino pré-escolar, básico e médio de todas as escolas
públicas do país (municipais, estaduais e federais). O piso deveria ser um
salário competitivo para um profissional com formação universitária,
equivalente ao salário médio inicial de engenheiros, dentistas, arquitetos,
informatas, etc. Hoje um salário desses seria de cerca de R$ 4.000,00 mensais
líquidos, e considerando-se todos os encargos trabalhistas corresponderia a
aproximadamente R$ 90.000,00 por ano por professor.
Considerando-se que temos cerca
de 40 a 50 milhões de crianças e jovens em escolas, e uma média de um professor
por 40 a 50 crianças, tal fundo teria que cobrir o salário de aproximadamente
um milhão de professores. O custo estimado portanto seria de R$ 90 bilhões
anuais (para chegar a esse valor não verifiquei dados estatísticos, mas acho
que vale como uma estimativa). Certamente não é pouco dinheiro, e por isso é
necessário buscar fontes alternativas para financiar o Programa. Além disso,
seria importante garantir o programa por uma geração, digamos de 30 anos.
Parece improvável que prefeitos e
governadores se disponham a bancar tal Programa, pois seria eleitoralmente
desastroso, uma vez que os resultados só aparecerão no médio e longo prazo, obviamente
a daqui várias eleições. Portanto, para resolver o problema da Educação, há que
se investir uma grande quantidade de dinheiro extra orçamentário. Não sendo
possível obter do orçamento dos governos, minha sugestão é que o Brasil
buscasse um empréstimo em órgãos internacionais. Seria um endividamento mais do
que justificável.
A implementação poderia ser
centralizada, com os recursos sendo repassados diretamente aos salários dos
professores, o que garante transparência e minimiza as possibilidades de
corrupção.
Obviamente que o Programa visa
apenas a resolver o problema de salário. Outros problemas sérios da Educação,
como treinamento de pessoal, melhoria na infra-estrutura das escolas, etc,
precisam de ações adicionais. Mas o meu argumento a favor do Programa para o
salário dos professores é que ele é de máxima prioridade, pois sem resolver o
problema do salário não há solução para os outros problemas. Não há como cobrar
dedicação dos profissionais da educação sem salários razoáveis. Não é possível
melhorar a qualidade da formação de docentes, sem estímulo para a carreira. E
não adianta melhorar a infra-estrutura das escolas, se os professores não
estiverem bem preparados e motivados. Há outro aspecto relevante, que faz do
problema salarial o mais grave para o futuro da educação no Brasil: as
licenciaturas são pouco atraentes hoje, e portanto corremos o risco de o Brasil
não ter professores qualificados em número suficiente no futuro próximo. Essa
baixa procura pelos cursos de licenciatura só pode ser creditada ao fato de a
carreira de professor de ensino médio e fundamental não ser atraente pelos
baixos salários.
Abaixo menciono possíveis
críticas e indagações sobre o Programa, com minhas respostas:
1)
O Programa é caro demais.
Resp. A resposta é canônica. Mais
caro para o país no longo prazo será continuar com uma educação sem qualidade.
2)
Um empréstimo de alto valor pode comprometer as
finanças do país por muitas gerações.
Resp. É verdade que se o país não
se desenvolver (inclusive com tecnologia de ponta) ou não houver aportes
adicionais (como o do petróleo da camada pré-sal), provavelmente não será
possível pagar o empréstimo. Mas sem resolver os problemas da educação,
possivelmente não haverá desenvolvimento auto-sustentável e o país terá problemas
financeiros da mesma forma.
3)
Como garantir a continuidade do Programa para garantir
que professores contratados daqui a alguns anos possam ter os mesmos
rendimentos (e direitos na aposentadoria) do que os professores imediatamente
beneficiados pelo Programa?
Resp. Esta é uma das perguntas
mais difíceis, porque provavelmente ter-se-á que criar mecanismos jurídicos
para permitir um Programa com duração limitada. Minha expectativa é a de que os
primeiros resultados – com mais desenvolvimento e renda – apareçam em 5 ou 10
anos, e com isso seja possível prorrogar o Programa de maneira a que os novos
contratados tenham as mesmas garantias.
4)
Tentar resolver apenas um item dos complexos problemas
da Educação não é uma simplificação que se mostrará inócua?
Resp. É claro que outras ações
serão necessárias. Mas o meu ponto é que sem resolver a questão salarial,
nenhuma outra iniciativa terá impacto global para a Educação. Outras
iniciativas – como a de novas políticas públicas, apoio das Universidades às
escolas de ensino médio e fundamental, etc., trazem sempre benefícios apenas
pontuais.
5)
Tentar atacar apenas o problema da Educação, sem
considerar outros vários problemas nacionais (má distribuição de renda,
desigualdades regionais, segurança, etc), pode ser ineficaz!
Resp. Também é óbvio que os
outros problemas nacionais devem ser atacados. Mas em certa medida, todos
dependem da Educação. E para a educação, há anos entramos num círculo vicioso
causado pelos baixos salários dos professores. Sem resolver este problema não
avançaremos.
Resumo minha defesa às perguntas
acima com duas sentenças:
a)
Como não conseguimos resolver todos os problemas de uma
vez, nunca resolvemos nenhum deles, e a tentativa de resolvê-los paulatinamente
(sem um choque!) não tem dado resultado e nem dará.
b)
Educação de qualidade só se faz com um corpo de
professores de qualidade, o que só se consegue com uma carreira atraente.
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