O fascínio pela descoberta de novos
fenômenos ou por compreender como as coisas funcionam é suficiente para motivar
cientistas por uma vida inteira. No início do Século XX, Albert Einstein se
debruçou sobre um problema aparentemente sem grande conexão com o mundo que o
cercava. Ele não se conformava que a física necessária para explicar certos
fenômenos tivesse que ser alterada quando se mudava o referencial das medidas.
Para ele, as leis da física deveriam ser invariantes, independentemente de as
medidas serem feitas na Terra – um referencial que podemos considerar fixo – ou
num barco em movimento.
Para resolver o problema, em 1905
Einstein apresentou uma teoria muito abstrata, que recebeu o nome de Teoria da
Relatividade Restrita. Uma conseqüência dessa teoria é que o conceito de tempo já
não era absoluto. Ou seja, o relógio de um observador fixo na Terra não
marcaria o mesmo tempo que um relógio usado por um observador em movimento. E
mais, as réguas para medir distâncias também seriam diferentes para
observadores com velocidades diferentes. O nome de Relatividade Restrita foi
dado porque a teoria só se aplicava a referenciais que tivessem velocidades
constantes, sem aceleração.
Em 1915, Einstein estendeu a
teoria para referenciais acelerados, também chamados não inerciais. Criou a Teoria
da Relatividade Geral, que também trouxe uma conseqüência inusitada: que as
ondas eletromagnéticas – como os feixes de luz visível, as ondas de rádio ou a
radiação de microondas – teriam sua trajetória desviada quando passassem
próximo de um corpo com massa. Esta previsão da Teoria da Relatividade Geral
foi comprovada anos mais tarde em Sobral, no Ceará.
Para operar aparelhos cada vez
mais sofisticados, muitas vezes precisamos da ajuda de crianças e adolescentes.
Só eles conseguem decifrar o mundo de tantos botões e ícones numa tela pequena
de um telefone celular, um tocador de música ou um aparelho de GPS. Creio que
poucos pudessem imaginar que um GPS é uma aplicação direta da Teoria da
Relatividade.
O sistema de posicionamento
global, conhecido por nós como GPS que é a sigla para o nome em inglês “global positioning system”, funciona
como se tivéssemos amigos no espaço com um mapa da Terra, em permanente
contacto conosco. Emitimos um sinal, que viaja com a velocidade da luz, a um
desses amigos e ele pode saber nossa posição na Terra a partir do tempo que a
mensagem levou até ele. Como para um mesmo tempo de viagem do sinal, podemos
ter mais de uma posição na Terra, necessitamos de mais de um amigo – em lugar
diferente no espaço - para determinar nossa posição.
Esses amigos são os satélites,
que requerem relógios extremamente precisos. Acontece que os tempos de viagem
dos sinais emitidos são muito curtos, porque a velocidade da luz é muito grande
(mais de um bilhão de km/h). Por isso são empregados relógios atômicos. O
problema é que também temos que medir o tempo que leva para recebermos a
resposta do sinal do satélite. Para ter precisão na determinação na posição,
também seria necessário ter um relógio atômico no aparelho de GPS, o que é
impraticável. A precisão atual é conseguida compensando-se as limitações do
relógio do aparelho com o uso do sinal de muitos satélites. São hoje empregados
24 satélites, que também permitem que o sistema GPS funcione em qualquer lugar
da Terra.
Mas então, onde entra a Teoria da
Relatividade? Ora, para determinar a posição com precisão de alguns metros em
alguns segundos, os relógios nos satélites têm que ter precisão de 20 a 30
nanossegundos (ns) (1 ns é a bilionésima parte de um segundo). Segundo a Teoria
da Relatividade Restrita, um relógio no satélite que tem uma velocidade de
14.000 km/h em relação à Terra atrasará cerca de 7 microssegundos (μs) (1 μs é
a milionésima parte de um segundo) por dia. Além disso, como os satélites estão
numa órbita a 20.000 km de altitude, o campo gravitacional é mais fraco do que
na Terra. Nessa altitude, o desvio das ondas eletromagnéticas é menor, e a
Teoria da Relatividade Geral prevê que um relógio no satélite adiantará de 45
μs por dia.
Estamos acostumados a não nos
preocupar com as correções relativísticas, que são quase sempre muito pequenas.
De fato, só perceberíamos diferenças no tamanho de uma régua em movimento, se
esta estivesse a uma velocidade próxima à velocidade da luz, o que é
inimaginável. Entretanto, para o sistema de GPS, as correlações relativísticas
são muito importantes, principalmente aquela da Relatividade Geral, pois um
erro de 45 μs corresponde a 45.000 ns. Só para exemplificar, sem as correções
relativísticas um GPS acumularia erro de posicionamento de alguns quilômetros
em um único dia.
Concluímos que não há mínima
chance de desenvolver um sistema de GPS sem conhecimento da teoria da
relatividade. Afinal, ninguém quer estacionar seu carro no trabalho pela manhã e
ao final do dia receber a informação (errônea!) do GPS que o carro já está em
casa, a quilômetros de distância. Seria confuso, não?