sábado, 1 de março de 2014

Aprendendo a escrever em inglês


O inglês se tornou a língua franca para os negócios, turismo e ciência, e precisa ser dominada com proficiência por quase todo tipo de profissional de alto nível. Isso vem exigindo enorme esforço da comunidade internacional, uma vez que menos de 10% da população têm o inglês como primeira língua. O aprendizado de uma segunda língua, principalmente se não for para crianças de tenra idade, requer muita dedicação.

As dificuldades no aprendizado de uma segunda língua são de várias naturezas, e se manifestam tanto na recepção quanto na produção da língua. Na recepção, o mais fácil é a leitura, pois o conhecimento do vocabulário e de estruturas gramaticais pode ser suficiente para a compreensão de um texto. Compreender a língua falada já é mais complicado porque envolve treinamento do ouvido e adaptação a diferentes sotaques. Mesmo a dificuldade de decifrar as palavras pronunciadas é relevante. Ainda que o ouvinte conheça o vocabulário da língua estrangeira, pode não conseguir perceber as palavras ou expressões que estão sendo ditas. Especialmente difícil é compreender música em língua estrangeira, a não ser que o aprendiz tenha sido treinado.

Para a produção falada ou escrita em língua estrangeira há dificuldades adicionais. Além de conhecer o vocabulário e ter noções de gramática, o aprendiz precisa saber empregá-los com proficiência e rapidez. Para atingir fluência, é imprescindível pensar na língua estrangeira, e não meramente traduzir o que pensou em sua primeira língua.

A influência da língua materna é, a propósito, uma das maiores limitações para a escrita de qualidade. Não é incomum que após muito estudo um aprendiz conheça o vocabulário e a gramática de uma segunda língua, mas ainda assim escreva sentenças que soam estranhas para qualquer nativo da língua, mesmo que estejam corretas gramaticalmente. 

A situação incômoda de não ser capaz de produzir bons textos após longos anos de estudo de uma língua estrangeira parece atingir muita gente, especialmente no meio acadêmico em que há exigência de uso sofisticado do inglês. Este problema enfrentei durante o doutorado, e da necessidade surgiu uma estratégia que se mostrou eficaz, que agora é ensinada em cursos de escrita científica na Universidade de São Paulo (USP).

A estratégia consiste em um treinamento intensivo de leitura de textos bem escritos em inglês (preferencialmente por nativos da língua), com anotação da função de expressões e sentenças. Em outras palavras, o aprendiz deve ler cuidadosamente o texto anotando como expressões transmitem conceitos e ideias. De certa forma, esta é uma extensão da crença (correta!) de que para escrever bem é necessário ler muito. Mas não basta ler muito; é importante que a leitura seja meticulosa e sistemática. Para o aprendizado da escrita, deve-se concentrar mais na forma do que no conteúdo do que está escrito, e assim incorporar as expressões ao cabedal de conhecimentos.

Uma maneira prática de utilizar a estratégia acima é preparar material específico, a partir dos textos selecionados. Para facilitar o estudo sistemático, convém classificar o material que está sendo lido de acordo com a função, a que chamamos de função retórica, e de sua posição no texto. Vou exemplificar com o texto de um artigo científico, mas as ideias gerais podem ser estendidas para outros gêneros.

Um artigo científico, nas áreas de ciências experimentais, engenharia e computação, contém geralmente seis seções: resumo, introdução, metodologia, resultados, discussão e conclusão. Cada uma dessas seções é dividida em subcomponentes, que perfazem a estrutura global do artigo. Por ser uma versão reduzida do artigo, o resumo contém subcomponentes que reproduzem essencialmente os componentes das demais seções, ou seja, tem uma introdução, metodologia, resultados, discussão e conclusão. A introdução, por sua vez, deve conter contextualização do trabalho de pesquisa, revisão da literatura e apresentação do conteúdo do artigo, incluindo o objetivo principal da pesquisa. A própria identificação dos subcomponentes das seções é um exercício rico de aprendizado, independentemente da língua em que está escrito.

Na sistematização da coleta de textos, o aprendiz deve classificar sentenças e expressões do material de referência, escrito por nativos da língua inglesa, de acordo com as seções e subcomponentes. Deve também marcar frases ou expressões que servem funções como descrever, contrastar, explicar, definir, ressaltar, etc. É importante que o aprendiz saiba escrever em inglês o que gostaria de fazê-lo em sua primeira língua.

Ao classificar e anotar o material, deve-se destacar partes das sentenças que são genéricas, não diretamente associadas ao conteúdo transmitido no texto. Isto é, são expressões que podem ser aprendidas e utilizadas em outros contextos. Por isso, um bom exercício é apagar as informações factuais do texto, deixando apenas as partes genéricas, e tentar preencher as lacunas com seu próprio material escrito.

Uma vez compilado um bom volume de material, que segundo minha experiência deve ser de 40 a 50 páginas de textos com expressões classificadas, e o aprendiz ter treinado o preenchimento das lacunas, chegou a hora de cuidar de parágrafos e trechos mais longos de texto. Aqui é importante garantir coesão, com ideias que fluem sem quebras bruscas de ritmo. Para tanto deve-se treinar o uso de conectivos entre sentenças, como however (entretanto), in addition (além disso), on the other hand (por outro lado).

Em todos os casos, deve-se conferir não apenas se as sentenças produzidas estão corretas gramaticalmente mas também se elas estão de acordo com o que nativos escrevem. É nisso que o material de referência pode ser tão útil.

Essa estratégia de aprender fazendo a partir de um material de referência tem respaldo na linguística aplicada, mais precisamente numa área denominada linguística de corpus. O material de referência é, de fato, chamado de corpus – que é uma coleção de textos estruturada e anotada. Ressalte-se o pressuposto que o aprendiz já tenha um nível mínimo de inglês, inclusive com conhecimento de gramática. Pois seria impossível requerer que ele reconheça material bem escrito em inglês, se já não souber ler com certa proficiência.


O leitor deve ter percebido que a tarefa de construir um corpus, e aprender inglês a partir de seu uso sistemático, não é simples nem rápida. É no mínimo tediosa e exige muito tempo e dedicação. Mas não há outro jeito. Não existem fórmulas mágicas para alguém aprender a escrever em inglês rapidamente e com pouco esforço! 

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