A
busca pela igualdade entre humanos tem sido uma constante nos últimos tempos,
especialmente após a revolução francesa no final do Século XVIII. O Século XX foi particularmente promissor,
neste aspecto, com a criação da Organização das Nações Unidas, estabelecimento
de tratados de direitos universais, respeito aos direitos da mulher, e
imposição de leis contra o racismo em alguns países, como o Brasil. Num mundo
ideal deveríamos extinguir as divisões de classes sociais, propiciar a toda e
qualquer criança no mundo as oportunidades materiais e de educação para se
tornarem cidadãos com igualdade de condições àqueles das nações mais ricas.
É
desnecessário enfatizar que estamos longe da situação ideal, tanto no que diz
respeito às diferenças entre países desenvolvidos e os demais, como às
incríveis diferenças sociais e econômicas dentro de um mesmo país. Temos a
obrigação ética de perseverar para diminuir as diferenças, e para tanto talvez
devêssemos lembrar-nos de usar o conhecimento científico para analisar
situações e propor políticas públicas.
Para
criar uma sociedade equânime, seus membros precisam ter as mesmas condições
materiais e oportunidades, como é óbvio. O que pode passar despercebido é que a
igualdade também requer que os membros tenham habilidades e talentos
semelhantes, que possam se apropriar de conhecimento e riqueza com a mesma
capacidade. E isso é muito difícil! Daí a necessidade de estudar as diferenças
e adotar políticas que permitam ainda assim buscar uma sociedade justa. Regimes
políticos implantados para impor igualdade não foram bem-sucedidos, talvez
porque tenham ignorado tais diferenças e nem levado em conta que é da natureza
humana comparar com os mais próximos. Uma sociedade não funciona se todos receberem
os mesmos benefícios, independentemente de seus esforços.
Sabemos
por intuição que os humanos são intrinsecamente diferentes. Que nossos talentos
para esporte, música, arte, podem variar enormemente. Que nossa capacidade de
aprender também varia muito, e pode depender do tipo de assunto a ser
aprendido. Não há, entretanto, prova científica irrefutável baseada na biologia
dessas diferenças. Não é possível quantificar nossas habilidades para uma ou
outra coisa. Existem testes de inteligência – como também testes físicos – que
podem distinguir-nos uns dos outros, mas eles não são determinantes nem para
atividades próximas às das habilidades que estão supostamente medindo. Ainda
mais difícil de identificar é a origem de nossos talentos e habilidades; se são
oriundos de herança genética ou se foram adquiridos apenas por treinamento.
Diante
da impossibilidade de analisar as diferenças diretamente, podemos optar por
investigar fenômenos que indiretamente apontam para a falta de igualdade.
Para
tanto, dou grande salto de assuntos e menciono uma pesquisa do final dos anos
de 1990 sobre a rede de páginas na Internet, quando o cientista Albert-László
Barabási, nascido na Romênia e radicado nos Estados Unidos, criou o conceito de
redes livres de escala. A principal característica dessas redes é que há alguns
nós com um número enorme de conexões, ao passo que a maioria esmagadora de nós
tem pouquíssimas conexões. Em outras palavras, se conexões forem consideradas
como “riqueza”, há poucos nós extremamente ricos na rede, enquanto a maioria é
muito pobre.
Barabási
descobriu que a Internet, em que cada página é um nó e as conexões são os links entre páginas, é uma rede livre de
escala, com essa má distribuição de riqueza. Observou também que para se
construir uma rede desse tipo, deve-se distribuir riquezas de uma maneira que
podemos considerar perversa para quem busca igualdade. Pois toda vez que uma
nova conexão será acrescentada, a probabilidade de se conectar a um nó é
proporcional ao número de conexões que o nó já tem. Isso implica que nós que já
têm muitas conexões terão maior probabilidade de receber mais, segundo o
paradigma que ficou conhecido como “o rico fica mais rico”.
Há
modelos matemáticos precisos que explicam as redes livres de escala, que são
muito mais frequentes do que se poderia imaginar. Pesquisadores do mundo todo
se debruçaram sobre a questão e verificaram que redes representando sistemas
das mais diversas áreas são livres de escala. Alguns exemplos são redes
sociais, como as dos atores de Hollywood e de co-autoria em artigos
científicos, redes de interação entre proteínas num organismo, redes de
aeroportos e redes representando textos escritos. Numa rede de aeroportos, cada
nó é um aeroporto e as conexões são os voos entre aeroportos. A maneira mais
eficiente de gerir o tráfico aéreo acabou por criar alguns poucos aeroportos
(os chamados “hubs” em inglês) com
muitos voos, enquanto aeroportos periféricos são a maioria. Quando se analisam
os dados de números de voos, nota-se que a rede tem a distribuição típica de
rede livre de escala.
O
que se pode depreender das constatações é que a distribuição de riquezas nos
sistemas representados por redes é majoritariamente não igualitária,
favorecendo a quem tem mais para gerar redes livres de escala. Redes com
distribuição mais igual entre nós são minoria. Isso se aplica para sistemas
naturais – como a rede de interações entre proteínas – e a sistemas produzidos
pelo homem. Uma consequência essencial da má distribuição de riquezas é que os
nós mais conectados (os hubs) tendem
a ser muito mais importantes que nós periféricos, com poucas conexões. Quando
se estuda a propagação de uma doença com um modelo baseado em rede, em que cada
indivíduo é um nó, há que se identificar os nós principais (hubs) e ter cuidado especial com eles. A
eliminação de uma epidemia deve depender muito desses hubs, enquanto nós periféricos não teriam quase nenhuma relevância.
Considerando
que humanos se organizam em redes sociais, de amizade, no trabalho, no lazer, e
que a maioria dessas redes deve ter distribuição de conexões (riqueza!)
desigual, como numa rede livre de escala, é irrefutável a diferenciação dos indivíduos.
Dessa análise resta admitir que é impossível atingir igualdade.
A
área de pesquisa que trata as redes livres de escala é denominada de redes
complexas, numa mescla de metodologias de física estatística e da teoria dos
grafos da matemática. Dessas pesquisas participam profissionais de diversos
campos, principalmente físicos, matemáticos e cientistas da computação. Devido
à generalidade da abordagem de redes complexas, que podem modelar fenômenos e
sistemas diversos, há a esperança de que aprendamos como tornar nosso tecido
social, afinal uma grande rede, mais justo.
E
que o inevitável paradigma do “rico fica mais rico” possa ser compensado com a
generosidade, que é uma das qualidades mais nobres dos humanos.