segunda-feira, 10 de março de 2014

Igualdade e Redes Sociais

A busca pela igualdade entre humanos tem sido uma constante nos últimos tempos, especialmente após a revolução francesa no final do Século XVIII.  O Século XX foi particularmente promissor, neste aspecto, com a criação da Organização das Nações Unidas, estabelecimento de tratados de direitos universais, respeito aos direitos da mulher, e imposição de leis contra o racismo em alguns países, como o Brasil. Num mundo ideal deveríamos extinguir as divisões de classes sociais, propiciar a toda e qualquer criança no mundo as oportunidades materiais e de educação para se tornarem cidadãos com igualdade de condições àqueles das nações mais ricas.

É desnecessário enfatizar que estamos longe da situação ideal, tanto no que diz respeito às diferenças entre países desenvolvidos e os demais, como às incríveis diferenças sociais e econômicas dentro de um mesmo país. Temos a obrigação ética de perseverar para diminuir as diferenças, e para tanto talvez devêssemos lembrar-nos de usar o conhecimento científico para analisar situações e propor políticas públicas.

Para criar uma sociedade equânime, seus membros precisam ter as mesmas condições materiais e oportunidades, como é óbvio. O que pode passar despercebido é que a igualdade também requer que os membros tenham habilidades e talentos semelhantes, que possam se apropriar de conhecimento e riqueza com a mesma capacidade. E isso é muito difícil! Daí a necessidade de estudar as diferenças e adotar políticas que permitam ainda assim buscar uma sociedade justa. Regimes políticos implantados para impor igualdade não foram bem-sucedidos, talvez porque tenham ignorado tais diferenças e nem levado em conta que é da natureza humana comparar com os mais próximos. Uma sociedade não funciona se todos receberem os mesmos benefícios, independentemente de seus esforços.

Sabemos por intuição que os humanos são intrinsecamente diferentes. Que nossos talentos para esporte, música, arte, podem variar enormemente. Que nossa capacidade de aprender também varia muito, e pode depender do tipo de assunto a ser aprendido. Não há, entretanto, prova científica irrefutável baseada na biologia dessas diferenças. Não é possível quantificar nossas habilidades para uma ou outra coisa. Existem testes de inteligência – como também testes físicos – que podem distinguir-nos uns dos outros, mas eles não são determinantes nem para atividades próximas às das habilidades que estão supostamente medindo. Ainda mais difícil de identificar é a origem de nossos talentos e habilidades; se são oriundos de herança genética ou se foram adquiridos apenas por treinamento.

Diante da impossibilidade de analisar as diferenças diretamente, podemos optar por investigar fenômenos que indiretamente apontam para a falta de igualdade.

Para tanto, dou grande salto de assuntos e menciono uma pesquisa do final dos anos de 1990 sobre a rede de páginas na Internet, quando o cientista Albert-László Barabási, nascido na Romênia e radicado nos Estados Unidos, criou o conceito de redes livres de escala. A principal característica dessas redes é que há alguns nós com um número enorme de conexões, ao passo que a maioria esmagadora de nós tem pouquíssimas conexões. Em outras palavras, se conexões forem consideradas como “riqueza”, há poucos nós extremamente ricos na rede, enquanto a maioria é muito pobre.

Barabási descobriu que a Internet, em que cada página é um nó e as conexões são os links entre páginas, é uma rede livre de escala, com essa má distribuição de riqueza. Observou também que para se construir uma rede desse tipo, deve-se distribuir riquezas de uma maneira que podemos considerar perversa para quem busca igualdade. Pois toda vez que uma nova conexão será acrescentada, a probabilidade de se conectar a um nó é proporcional ao número de conexões que o nó já tem. Isso implica que nós que já têm muitas conexões terão maior probabilidade de receber mais, segundo o paradigma que ficou conhecido como “o rico fica mais rico”.

Há modelos matemáticos precisos que explicam as redes livres de escala, que são muito mais frequentes do que se poderia imaginar. Pesquisadores do mundo todo se debruçaram sobre a questão e verificaram que redes representando sistemas das mais diversas áreas são livres de escala. Alguns exemplos são redes sociais, como as dos atores de Hollywood e de co-autoria em artigos científicos, redes de interação entre proteínas num organismo, redes de aeroportos e redes representando textos escritos. Numa rede de aeroportos, cada nó é um aeroporto e as conexões são os voos entre aeroportos. A maneira mais eficiente de gerir o tráfico aéreo acabou por criar alguns poucos aeroportos (os chamados “hubs” em inglês) com muitos voos, enquanto aeroportos periféricos são a maioria. Quando se analisam os dados de números de voos, nota-se que a rede tem a distribuição típica de rede livre de escala.

O que se pode depreender das constatações é que a distribuição de riquezas nos sistemas representados por redes é majoritariamente não igualitária, favorecendo a quem tem mais para gerar redes livres de escala. Redes com distribuição mais igual entre nós são minoria. Isso se aplica para sistemas naturais – como a rede de interações entre proteínas – e a sistemas produzidos pelo homem. Uma consequência essencial da má distribuição de riquezas é que os nós mais conectados (os hubs) tendem a ser muito mais importantes que nós periféricos, com poucas conexões. Quando se estuda a propagação de uma doença com um modelo baseado em rede, em que cada indivíduo é um nó, há que se identificar os nós principais (hubs) e ter cuidado especial com eles. A eliminação de uma epidemia deve depender muito desses hubs, enquanto nós periféricos não teriam quase nenhuma relevância.

Considerando que humanos se organizam em redes sociais, de amizade, no trabalho, no lazer, e que a maioria dessas redes deve ter distribuição de conexões (riqueza!) desigual, como numa rede livre de escala, é irrefutável a diferenciação dos indivíduos. Dessa análise resta admitir que é impossível atingir igualdade.

A área de pesquisa que trata as redes livres de escala é denominada de redes complexas, numa mescla de metodologias de física estatística e da teoria dos grafos da matemática. Dessas pesquisas participam profissionais de diversos campos, principalmente físicos, matemáticos e cientistas da computação. Devido à generalidade da abordagem de redes complexas, que podem modelar fenômenos e sistemas diversos, há a esperança de que aprendamos como tornar nosso tecido social, afinal uma grande rede, mais justo.


E que o inevitável paradigma do “rico fica mais rico” possa ser compensado com a generosidade, que é uma das qualidades mais nobres dos humanos.

sábado, 1 de março de 2014

Aprendendo a escrever em inglês


O inglês se tornou a língua franca para os negócios, turismo e ciência, e precisa ser dominada com proficiência por quase todo tipo de profissional de alto nível. Isso vem exigindo enorme esforço da comunidade internacional, uma vez que menos de 10% da população têm o inglês como primeira língua. O aprendizado de uma segunda língua, principalmente se não for para crianças de tenra idade, requer muita dedicação.

As dificuldades no aprendizado de uma segunda língua são de várias naturezas, e se manifestam tanto na recepção quanto na produção da língua. Na recepção, o mais fácil é a leitura, pois o conhecimento do vocabulário e de estruturas gramaticais pode ser suficiente para a compreensão de um texto. Compreender a língua falada já é mais complicado porque envolve treinamento do ouvido e adaptação a diferentes sotaques. Mesmo a dificuldade de decifrar as palavras pronunciadas é relevante. Ainda que o ouvinte conheça o vocabulário da língua estrangeira, pode não conseguir perceber as palavras ou expressões que estão sendo ditas. Especialmente difícil é compreender música em língua estrangeira, a não ser que o aprendiz tenha sido treinado.

Para a produção falada ou escrita em língua estrangeira há dificuldades adicionais. Além de conhecer o vocabulário e ter noções de gramática, o aprendiz precisa saber empregá-los com proficiência e rapidez. Para atingir fluência, é imprescindível pensar na língua estrangeira, e não meramente traduzir o que pensou em sua primeira língua.

A influência da língua materna é, a propósito, uma das maiores limitações para a escrita de qualidade. Não é incomum que após muito estudo um aprendiz conheça o vocabulário e a gramática de uma segunda língua, mas ainda assim escreva sentenças que soam estranhas para qualquer nativo da língua, mesmo que estejam corretas gramaticalmente. 

A situação incômoda de não ser capaz de produzir bons textos após longos anos de estudo de uma língua estrangeira parece atingir muita gente, especialmente no meio acadêmico em que há exigência de uso sofisticado do inglês. Este problema enfrentei durante o doutorado, e da necessidade surgiu uma estratégia que se mostrou eficaz, que agora é ensinada em cursos de escrita científica na Universidade de São Paulo (USP).

A estratégia consiste em um treinamento intensivo de leitura de textos bem escritos em inglês (preferencialmente por nativos da língua), com anotação da função de expressões e sentenças. Em outras palavras, o aprendiz deve ler cuidadosamente o texto anotando como expressões transmitem conceitos e ideias. De certa forma, esta é uma extensão da crença (correta!) de que para escrever bem é necessário ler muito. Mas não basta ler muito; é importante que a leitura seja meticulosa e sistemática. Para o aprendizado da escrita, deve-se concentrar mais na forma do que no conteúdo do que está escrito, e assim incorporar as expressões ao cabedal de conhecimentos.

Uma maneira prática de utilizar a estratégia acima é preparar material específico, a partir dos textos selecionados. Para facilitar o estudo sistemático, convém classificar o material que está sendo lido de acordo com a função, a que chamamos de função retórica, e de sua posição no texto. Vou exemplificar com o texto de um artigo científico, mas as ideias gerais podem ser estendidas para outros gêneros.

Um artigo científico, nas áreas de ciências experimentais, engenharia e computação, contém geralmente seis seções: resumo, introdução, metodologia, resultados, discussão e conclusão. Cada uma dessas seções é dividida em subcomponentes, que perfazem a estrutura global do artigo. Por ser uma versão reduzida do artigo, o resumo contém subcomponentes que reproduzem essencialmente os componentes das demais seções, ou seja, tem uma introdução, metodologia, resultados, discussão e conclusão. A introdução, por sua vez, deve conter contextualização do trabalho de pesquisa, revisão da literatura e apresentação do conteúdo do artigo, incluindo o objetivo principal da pesquisa. A própria identificação dos subcomponentes das seções é um exercício rico de aprendizado, independentemente da língua em que está escrito.

Na sistematização da coleta de textos, o aprendiz deve classificar sentenças e expressões do material de referência, escrito por nativos da língua inglesa, de acordo com as seções e subcomponentes. Deve também marcar frases ou expressões que servem funções como descrever, contrastar, explicar, definir, ressaltar, etc. É importante que o aprendiz saiba escrever em inglês o que gostaria de fazê-lo em sua primeira língua.

Ao classificar e anotar o material, deve-se destacar partes das sentenças que são genéricas, não diretamente associadas ao conteúdo transmitido no texto. Isto é, são expressões que podem ser aprendidas e utilizadas em outros contextos. Por isso, um bom exercício é apagar as informações factuais do texto, deixando apenas as partes genéricas, e tentar preencher as lacunas com seu próprio material escrito.

Uma vez compilado um bom volume de material, que segundo minha experiência deve ser de 40 a 50 páginas de textos com expressões classificadas, e o aprendiz ter treinado o preenchimento das lacunas, chegou a hora de cuidar de parágrafos e trechos mais longos de texto. Aqui é importante garantir coesão, com ideias que fluem sem quebras bruscas de ritmo. Para tanto deve-se treinar o uso de conectivos entre sentenças, como however (entretanto), in addition (além disso), on the other hand (por outro lado).

Em todos os casos, deve-se conferir não apenas se as sentenças produzidas estão corretas gramaticalmente mas também se elas estão de acordo com o que nativos escrevem. É nisso que o material de referência pode ser tão útil.

Essa estratégia de aprender fazendo a partir de um material de referência tem respaldo na linguística aplicada, mais precisamente numa área denominada linguística de corpus. O material de referência é, de fato, chamado de corpus – que é uma coleção de textos estruturada e anotada. Ressalte-se o pressuposto que o aprendiz já tenha um nível mínimo de inglês, inclusive com conhecimento de gramática. Pois seria impossível requerer que ele reconheça material bem escrito em inglês, se já não souber ler com certa proficiência.


O leitor deve ter percebido que a tarefa de construir um corpus, e aprender inglês a partir de seu uso sistemático, não é simples nem rápida. É no mínimo tediosa e exige muito tempo e dedicação. Mas não há outro jeito. Não existem fórmulas mágicas para alguém aprender a escrever em inglês rapidamente e com pouco esforço!