terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A incrível estória do menino que enxugava gelo


Era uma vez um menino muito inteligente, apaixonado por ciência e que sabia da necessidade de juntar economias para sua educação. Resolveu então usar seus conhecimentos científicos para ganhar dinheiro e fez fortuna enxugando gelo. Ou melhor, ganhou muito dinheiro em apostas, desafiando a quem se aventurasse que ele tinha encontrado uma maneira de enxugar gelo.

Veio gente de toda a parte para o desafio. O menino preparou um sistema simples, com uma forma de gelo furada ligada a um estreito canal. Ele apostava que conseguia enxugar gelo de tal maneira que o canal nem molhado ficava. E ganhava aposta após aposta, de valores cada vez mais altos. Os perdedores não contavam o segredo por vergonha de terem sido derrotados por um menino.

Afinal, qual era a mágica ou método científico que o menino havia descoberto? Ora, não havia mágica nenhuma. Era só um detalhe na formulação da aposta, pois o menino não especificava a escala de tempo. Só após iniciada a contenda é que ele dizia que seu método de enxugar gelo – com um simples pedaço de pano - era perfeito para a escala de segundos. Obviamente que o gelo não se derreteria em segundos e – a propósito - enxugar com o pano não fazia diferença! Para aqueles apostadores dispostos a pagar mais caro, desafiando o menino a enxugar gelo que já se estava derretendo, o menino era obrigado a usar uma escala menor do que segundos para poder ganhar. Mas a vitória era certa: bastava escolher a escala correta.

Resolvi contar esta estória para ressaltar a importância de escalas, em ciência e em nosso cotidiano. O ouro é dourado, como todo mundo sabe, quando em peças macroscópicas, ou seja, em anéis, correntes e barras. Porém, nanopartículas de ouro são avermelhadas, e sua cor pode variar com o tamanho e formato das partículas. Sabemos que o sol vai se acabar, e com ele a vida na Terra, mas não nos preocupamos pois isso só ocorrerá na escala de bilhões de anos.  

Em nosso dia a dia, podemos continuar usando a metáfora de “enxugar gelo”, na medida em que pensamos numa escala de minutos ou dezenas de minutos em que certamente o gelo em temperatura ambiente (20 ou 30ºC) derreterá. Em muitas decisões da sociedade, entretanto, seria essencial levar em conta a escala de tempo ou de investimentos.

Tomo como exemplo o problema mais grave no Brasil de hoje, que é a educação. As políticas e ações em educação são concebidas para alguns poucos anos, uma vez que as eleições majoritárias acontecem a cada quatro anos. As políticas em educação de que precisamos, que levariam muito mais tempo para dar resultado, não têm, portanto, chance de serem adotadas. A principal medida seria o aumento considerável nos salários dos professores, como já defendi em outro ensaio. Mas isso não daria resultado em menos de 10 ou 20 anos, porque é necessário treinar e formar professores, alterar paradigmas de nossas escolas – o que só é possível fazer com professores valorizados e bem pagos.

Uma dificuldade adicional é a escala de investimentos requeridos para dar aumentos de salários significativos. Uma vez que a folha salarial é de longe o item mais relevante no orçamento da educação, dobrar salários, por exemplo, corresponde a quase dobrar o orçamento. Muito mais barato e atraente politicamente é criar vários programas e subprogramas: de construções e melhorias de escolas, de merenda, de material escolar, de equipamentos, de atividades extraordinárias, e assim por diante. Podem ser inúmeros programas, por mais importantes, necessários ou justificáveis que sejam, ao custo que corresponderia a um aumento substancial nos salários dos professores.

Sem que a sociedade compreenda as diferenças de escala e se convença que - a persistirem os problemas graves de educação - o Brasil não tem futuro, continuaremos convivendo com repetidas políticas que nada mais são do que um eterno “enxugar de gelo”.


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